OLHA QUE BELA HISTÓRIA DESTA MULHER CHEIA DE FORÇA E TRABALHO. LINDA BETE MENDES
Minha História: Fui torturada em 1970 e denunciei o
coronel Ustra
Folha de S. Paulo
(...) Depoimento a
ELEONORA DE LUCENA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
ELEONORA DE LUCENA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
RESUMO Presa
e torturada em 1970, a atriz Bete Mendes encontrou o coronel Brilhante Ustra
numa viagem ao Uruguai em 1985. Ela era deputada federal, e ele atuava na
embaixada em Montevidéu. Na volta, ela denunciou Ustra ao presidente Sarney.
Aos 64, a atriz diz não temer retrocessos, mas pede atenção aos movimentos
contra a democracia.
Fui presa duas vezes. Na primeira, não
fui torturada fisicamente. Na segunda, foi total. Fui torturada [em 1970] e
denunciei [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra]. Isso me marcou
profundamente. Não desejo isso para ninguém --nem por meus inimigos. A tortura
física é a pior perversidade da raça humana; a psicológica, idem.
Não dá para ter raiva [de quem me
torturou]. A gente é tão humilhado, seviciado, vilipendiado que o que se quer é
sobreviver e bem. Estou muito feliz, sobrevivi e bem. E não quero mais falar
desse assunto.
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A atriz e ex-deputada Bete Mendes fala sobre sua trajetória em uma
livraria no Rio
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Superei isso com tratamento psicológico
e com trabalho. Agradeço à família, à classe artística, aos amigos que foram
meu alicerce.
Carlos Zara me convidou para fazer a
novela "O Meu Pé de Laranja Lima", e isso me salvou. Continuei o
trabalho artístico, fui fundadora do PT, fui deputada federal duas vezes e
secretária da Cultura de São Paulo.
Comecei a fazer teatro e cantar com
seis anos de idade. Com oito já participava de manifestações de alunos. Era do
grêmio do colégio, depois fui para o diretório da faculdade. Em bibliotecas
públicas ou pegando livros emprestados lia tudo: Rousseau, Marx, Mao, Lênin,
Gorki, Aristóteles. Depois, adotei o codinome de Rosa em homenagem a Rosa
Luxemburgo.
VAR PALMARES
Na adolescência escrevi textos de peças
de teatro. Quando fui presa, eles levaram esses textos. Achavam que eles eram
prova de crime, que depunham contra mim. Nunca mais os recuperei. Era coisa tão
pouca, boba, pessoal.
Quando fecharam as portas à democracia,
me senti usurpada, revoltada, aprisionada. Achei que a única saída era entrar
numa organização revolucionária contra a ditadura militar. Entrei na
VAR-Palmares. Fizemos aquela opção. Foi certa, errada? É difícil julgar hoje.
A minha visão era a revolução
socialista: tirar poder dos militares, dos opressores, do capitalismo selvagem.
Deixar a gente governar para o bem de todos, com todos participando.
Eu tinha 18, 19 anos e achava que podia
fazer tudo. Não tinha consciência do risco imenso que estava correndo. Era
atriz de uma novela que explodia no Brasil, "Beto Rockfeller",
estudava ciências sociais na Universidade de São Paulo e participava de uma
organização clandestina revolucionária. Aí deu zebra.
O medo era a pior coisa que a gente
sentia na época. Historicamente tem que se reconhecer que nós entramos numa
ditadura muito mais pesada do que foi dito no passado. Isso vai sendo desdito
atualmente pela Comissão da Verdade.
Hoje não tenho medo de retrocesso, mas
é preciso prestar atenção em manifestações como de movimentos nazistas em
vários países e no Brasil. Por exemplo? O coronel Brilhante Ustra faz parte
desse movimento. Ele tem um site. Há jovens fazendo movimento nazista.
DEMOCRACIA
É um receio. É preciso ser cauteloso em
relação a movimentos que podem ser prejudiciais ao avanço democrático. Mas
impedir jamais, porque a gente legitima a manifestação de todos, de opiniões
diversas. É preciso cuidar da democracia para que esses movimentos não cresçam.
Sou política como qualquer cidadão. Sou
cidadã, atriz, socialista. O socialismo se constrói todo dia. Não temos o
modelo socialista do passado, mas a gente constrói um novo. Quero continuar
trabalhando como atriz e viajar mais. Poder viver essa democracia até morrer.
Sonho político? Que o trabalho escravo acabe no Brasil.
Estou aqui viva e feliz. Minha vida é
muito efervescente. Emendei três trabalhos na televisão. Faço o que eu gosto:
ser atriz. Não vamos ficar presos no passado. O que eu tinha que dizer disse
com todas as letras na época. "Revival" não tem sentido. Meu assunto
hoje é [a novela] "Flor do Caribe".
Problema de audição? Tenho. É que eu
fui torturada. [Fica com os olhos marejados]
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